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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

De como eu aprendi a te amar



Ainda era guria quando você vinha me visitar. Passava sempre dois dias, nunca mais que isso, porque a saudade que você tinha de sua casa vazia não permitia.

E eu adorava sua presença... deitava no tapete da sala e colocava um dos pés no braço da cadeira em que você sentava. Então você começava a rir e estendia seus dedos finos e macios para me fazer cócegas. Chamávamos essa brincadeira de caranguejo. Foi você mesma quem batizou enquanto me contava a história de quando um caranguejo se prendeu no seu dedo e teve que esmagá-lo na parede para ele poder sair. Quantas não foram as vezes que me repetiu isso? (Acho que naquele tempo sua memória já lhe traía). Mas eu nunca me cansei de ouvir...

Muitos anos se passaram, eu cresci. As moedas de um centavo deixaram de ser usadas e os trocadinhos que a senhora me dava pra comprar bala já não faziam o mesmo sentido. Suas visitas a minha casa tornaram-se raras e eu comecei a estudar em outra cidade. Meu tempo se encurtou (agora eu também tinha obrigações), acabei esquecendo que você também precisava de atenção...

Mas o mundo dá voltas, não é mesmo? E em uma dessas foi você que veio ao meu encontro, de mala e cuia, pra minha casa. Ocupou o meu quarto, a minha cama e quase que a completa atenção da minha mãe. Sinto muita vergonha em admitir isso, mas eu não gostei muito da sua chegada, não por sua presença em si, mas porque essas mudanças todas exigiam de mim uma maturidade que, apesar dos meus 18 anos, eu não tinha...

Demorei meses pra me adaptar a você com todas as suas crises de humor e de memória. Demorei outros ainda pra aprender essa paciência que você exige sem saber. Mais alguns pra mais do que suportar, gostar, amar o fato de te ter aqui comigo...

Hoje, enquanto você tomava café todas essas recordações encheram meu coração. E entre um papo e outro, sempre com assuntos repetidos (uma característica que o Alzheimer te deu), você me dava mais uma de suas lições:

- É minha filha, seja corajuda na vida!
- Corajuda, vó?
E você riu, sem nem se dar conta de seu neologismo:
- É... Corajuda, de quem tem coragem!

Então rimos juntas. Você pela alegria de ainda poder me ensinar e eu unicamente pela sua presença...
Pena que você não pode ler esse texto. Se eu tivesse levado mais a sério aquelas aulinhas na garagem de casa, quando eu tinha mais tempo e sua “vista” ainda permitia... Mas agora é tarde pra isso, embora não o seja para aproveitar toda a sabedoria e beleza que os anos te deram.

Sorte a minha!

Rafaelly '

Dedico esse texto a minha avó, e a todas as avós e netos desse mundão de meu Deus.